No último domingo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou desejo de estabelecer missão especial para apoio e auxílio na reconstrução do Líbano. Ao que tudo indica, está confirmada a intenção de nomeação do ex-presidente Michel Temer para comandar as atividades. Se de fato ocorrer, será um salto no vínculo entre os países. A forte relação afetiva entre brasileiros e libaneses por si só já justifica a manutenção de relação diplomática sólida entre os dois países. Isso já existe. O Brasil reconheceu a independência do Líbano em novembro de 1945, mas só estabeleceu representação permanente em 1954, depois da visita do presidente Chaumoun ao nosso país. Desde então, nunca deixamos de ter representações recíprocas do mais alto nível, que produziram apoio em momentos difíceis de nossas histórias.
O histórico da relação começou em 1877 quando Pedro II visitou Beirute. Dessa visita, o efeito mais concreto talvez tenha sido o início da migração libanesa ao Brasil, mas que só ocorreu décadas depois, em 1882. O processo se aprofundou em 1920, quando foi aberto o primeiro Consulado, com pretensões de facilitar a imigração de otomanos cristãos, profissionais qualificados e potenciais investidores. Nosso atual governo tem repensado o posicionamento nacional perante a sociedade internacional. Aparentemente, o custo da manutenção das representações no exterior não seria justificado. Os eventos da história somados às pressões políticas ou pragmatismo econômico tendem a ditar qual será a decisão do momento. Por agora, o caso do Líbano parece pender pela ampliação das relações, e não pelo recuo.
Vejamos o caso da decisão de deixar a liderança do braço naval da Unifil, uma das nove missões internacionais da ONU. Há espaço para que ela seja repensada. Estamos desde 2011 combatendo a atuação do tráfico no litoral do Líbano, ajudando assim a dificultar a ação de terroristas em todo o Oriente Médio. Depois de pressões de Israel, os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores do Brasil procuram uma saída honrosa do comando da Força-Tarefa Marítima. Acontece que o estreitamento das relações com Israel abriu oportunidade para Netanyahu mostrar insatisfação com a eficiência da patrulha brasileira no leste do Mediterrâneo, que capta e compartilha com as Nações Unidas todo o tráfego aéreo na região, inclusive os voos que Israel gostaria de manter em segredo. Nosso presidente agora terá que balancear as pressões internas e internacionais para decidir se mantém o pedido para que o Conselho de Segurança escolha uma nova liderança para a força ou se mantém nossa marinha no Mediterrâneo para auxiliar no fluxo naval, que deve se intensificar com a chegada de envios humanitários ao Líbano. Caso a primeira opção prevaleça, a eficácia das forças navais brasileiras pode se deslocar para o Chifre da África, região que fica no Sudeste do continente, e ali combater a pirataria.
O Líbano tem uma história muito rica. Seu povo e sua capital têm fama de renascer das cinzas por ter enfrentado muitos desafios – a maioria deles foram as invasões seguidas de ocupações estrangeiras. Sua terra, porém, encontra dificuldades para alimentar seu povo. O país tem a 8ª densidade populacional do mundo, usa pouco menos de 13% de seu território para agricultura, mas, apesar de 39% da força de trabalho empregada estar nesse setor, não consegue abastecer o país. Como celeiro do mundo, o Brasil pode, com facilidade, ampliar as exportações para o Líbano, apesar de sua principal demanda ser por trigo, que não está na lista de nossos principais produtos. O pão é o alimento base da população daquele país, por isso a demanda. Somos o 17º país de origem dos produtos importados por aquele país, representando apenas 1,7% do total, tendo como principal produto a carne. No fluxo inverso, o Brasil é o 24º maior destino das exportações do Líbano, representando 0,9% do volume total. O principal produto é o fertilizante, que representa mais de 95% de todas as exportações para o Brasil. Até que um novo porto seja estabelecido e o Líbano tenha condições de arcar com as obrigações financeiras internacionais, fica difícil projetar um futuro para as relações comerciais.
*Vladimir Feijó é professor dos cursos de Direito e Relações Internacionais do Ibmec BH