A vacina contra o coronavírus se transforma em disputa semelhante à corrida espacial da Guerra Fria. Um momento no século XX que se transformou em batalha não declarada entre países do bloco comunista e Estados Unidos pelo domínio das viagens espaciais. O fundo produtor da vacina russa já batizou a conquista de Sputnik V. Perto de 160 vacinas estão em estudo no mundo inteiro – inclusive a verde amarela aqui, a vacina brasileira que está em desenvolvimento, além dos testes em fase final. Quatro vacinas estão sendo testadas no Brasil por ser o campo ideal, onde o coronavírus está em expansão. O anúncio da Rússia surpreende. A adesão também assusta e um bilhão de doses foram encomendadas por vários países. Para o Brasil, o governador do Paraná, Ratinho Júnior acertou a compra de tecnologia e a produção no estado da Sputnik V.
A expectativa é tão grande que, mesmo sem a vacina, critérios de aplicação já estão sendo discutidos. O deputado Wolney Queiroz (PDT-PE) apresentou projeto para regulamentar a ordem de acesso. Primeiro os profissionais de saúde e depois os considerados vulneráveis e grupos de risco. Há também um debate forte sobre o pagamento das vacinas pelos planos de saúde e a compra seria pela iniciativa privada. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propõe um cálculo complicado sobre andamento da pandemia por região, com estatísticas, indicadores demográficos e quadros epidemiológicos e sanitários.
Já prevendo a campanha de vacinação, a indústria farmacêutica alerta sobre a necessidade de encomenda das seringas e das agulhas. Pelos cálculos, serão necessárias pelo menos 300 milhões de unidades para imunizar os 230 milhões de brasileiros. Não há tempo para tanta produção e nem iniciativa. As indústrias só produzem o encomendado e não há compra deste tipo de equipamento. Só que haverá uma corrida por agulhas e seringas no mundo inteiro e o que as fábricas aqui querem é que o governo se antecipe, faça licitação e realize as compras. Se não houver a aprovação da vacina ou das vacinas, o produto fica encalhado, mas o risco é menor do que ter a vacina e faltar seringas no mercado para aplicação.
Estados e municípios também estão nesta disputa e, por isso, governadores já fazem contratos antecipados com laboratórios. É provável que as vacinas aprovadas sejam comercializadas a granel e os países e estados comprem em grandes volumes e depois faça a divisão em doses. A pergunta do momento é sobre a decisão de aceitar uma vacina produzida em tão pouco espaço de tempo. Geralmente um projeto assim leva anos para se certificar da segurança, eficácia e tempo de imunidade. Pelo andamento dos debates, a certeza é de que a vacina será mesmo concluída e a pergunta é onde está a fila de vacinação. Alguns ainda estão no velho dilema de entregar o braço ou o glúteo para a chinesa ou a russa.
*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política da Jovem Pan.