Investigação do Tribunal de Contas de SP encontra irregularidades em obra atrasada no hospital Emílio Ribas

Fiscalização do TCE-SP encontrou ‘acréscimos contratuais de serviços não previstos inicialmente’ e ‘falhas do Projeto Básico’. A obra foi iniciada em 2014 e devera ter sido concluída em 2016. Secretaria da Saúde de SP tem 20 dias para responder tribunal.

Uma fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) encontrou diversas irregularidades na reforma do Instituto Emílio Ribas, obra que está em andamento desde 2014. No despacho publicado nesta terça-feira (14) no Diário Oficial o conselheiro do tribunal, Antônio Citadini, destaca que a fiscalização localizou “acréscimos contratuais de serviços não previstos inicialmente” e cita diversas vezes que houve “falhas do Projeto Básico” da reforma.

O Emílio Ribas é considerado a maior referência em infectologia na América Latina e referência para o combate ao coronavírus.

A própria secretaria admite uma série de falhas no projeto inicial, segundo o despacho. Estas falhas acarretaram custos extras ao longo da obra. Muitos desses adicionais, que deveriam ser previstos no contrato inicial, foram contratados no decorrer da reforma sem licitação, aponta o TCE.

Na lista de irregularidades encontradas na 1ª fase da reforma está a supressão do contrato de uma série de melhorias que deveriam ser feitas pelo consórcio no Instituto, entre elas a instalação de passarelas cobertas, o restauro da Casa Azul e a reforma do edifício garagem.

Um outro despacho do TCE, que se refere apenas à 2ª fase das obras, também aponta irregularidades. O documento, obtido pelo G1, deve ser publicado no Diário Oficial desta quarta (15).

A investigação do TCE ocorre após matéria do G1 mostrar, em abril, que o instituto poderia ter 130 leitos a mais para combater o coronavírus caso a reforma, prevista para 2016, estivesse concluída.

Em nota a Secretaria Estadual da Saúde disse que “foi notificada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e está à disposição do órgão para esclarecimentos complementares” (veja a nota na íntegra abaixo).

Antonio Roque Citadini, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de SP. — Foto: Reprodução/EPTV
Antonio Roque Citadini, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de SP. — Foto: Reprodução/EPTV

Nos dois despachos o TCE avalia que há problemas nos termos aditivos aos contratos firmados pela Secretaria Estadual da Saúde com o Consórcio ER Saúde, responsável pela 1ª fase, e com a CDG Construtora, responsável pela 2ª fase da reforma. O tribunal determina que a secretaria explique todas as irregularidades em até 20 dias.

A fiscalização destaca ainda que somente após as escavações foram descobertas instalações hidráulicas, cabos de média tensão, cabos de informática, circuitos elétricos e tubulações de gás no subsolo do hospital, o que seria uma falha do projeto inicial.

O TCE lembra ainda que diversos adicionais já estavam previstos inicialmente e, por isso, os fiscais dizem entender que “não cabe à Contratada cobrar adicionalmente” por eles.

Hospitais em obras

Hospital Emílio Ribas, em SP, tem 100% da UTI ocupada por pacientes com coronavírus
Hospital Emílio Ribas, em SP, tem 100% da UTI ocupada por pacientes com coronavírus

O G1 mostrou no dia 17 de abril que dois grandes hospitais públicos da capital, o Emílio Ribas, na Zona Oeste, e o Mandaqui, na Zona Norte, passavam por reformas que comprometem parte de seus leitos em meio à crise do novo coronavírus. Pelo menos 150 leitos – 20 no Mandaqui e 130 no Emílio Ribas – poderiam estar funcionando caso as obras estivessem finalizadas nas duas unidades.

No Emílio Ribas, que é considerado a maior referência em infectologia na América Latina, a obra começou em 2014 e deveria ter sido concluída em 2016. A UTI do Emílio Ribas chegou a ter 100% de ocupação durante a pandemia.

No Conjunto Hospitalar do Mandaqui, o maior da Zona Norte, a reforma que visava melhorar o pronto-socorro teve início em novembro do ano passado, com previsão de entrega para abril. Após a publicação da reportagem, o Hospital do Mandaqui entregou 20 novos leitos de UTI que devem estar em uso nos próximos dias. A direção afirma que foi feita uma adaptação da reforma, que inicialmente previa leitos de enfermaria, diante da gravidade dos pacientes de Covid-19.

Com as novas UTIs entregues durante a pandemia a capacidade da UTI do Emílio Ribas deve passar de 30 para 50 leitos. No entanto, com a reforma concluída, o local teria 250 leitos, entre enfermaria e terapia intensiva. Hoje, funcionam de 100 a 120 leitos, segundo funcionários. O atraso na obra resultou em um pedido de investigação acolhido pelo TCE e em um inquérito aberto pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em fevereiro deste ano.

20 de abril: profissional de saúde cuida de paciente na UTI do Emílio Ribas, centro de referência para tratamento de Covid-19 em São Paulo. — Foto: Miguel Schincariol/AFP
20 de abril: profissional de saúde cuida de paciente na UTI do Emílio Ribas, centro de referência para tratamento de Covid-19 em São Paulo. — Foto: Miguel Schincariol/AFP

Com as obras que tiveram início em 2014, o Emílio Ribas “funciona pela metade”, segundo Eder Gatti, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e médico no hospital.

“A gente tinha de 150 a 200 leitos antes da obra no Emílio Ribas. Quando ele foi pra obra, a projeção era ficar com 250 leitos ao todo. Hoje, ele tem mais ou menos de 100 a 120 leitos. Isso incluindo UTI e enfermaria. Então o hospital hoje tem menos capacidade do que tinha antes da obra”, explica Gatti.

A reforma atual já dura mais de cinco anos e consumiu pelo menos R$ 160 milhões de reais. Em junho do ano passado, a previsão de gasto era de mais R$ 40 milhões até o término da renovação.

A obra teve início quando o primeiro coordenador do centro de contingência contra Covid-19 de SP, David Uip, era secretário estadual da Saúde. Ele ocupou o cargo de 2013 a abril de 2018. Antes, Uip foi diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

O médico infectologista David Uip, que coordena o combate ao coronavírus no estado de SP — Foto: Mister Shadow/ASI/Estadão Conteúdo
O médico infectologista David Uip, que coordena o combate ao coronavírus no estado de SP — Foto: Mister Shadow/ASI/Estadão Conteúdo

Denúncias de funcionários

As condições do Emílio Ribas são alvo de denúncias de médicos e funcionários há anos. Em 2019, servidores se manifestaram em frente ao hospital pedindo que fossem concluídas as reformas em andamento.

No início da pandemia de coronavírus, equipes do hospital colaram cartazes nos corredores reclamando da falta de equipamentos, especialmente máscaras e álcool gel.

Manifestação em frente ao Hospital Emilio Ribas em 2019 pede que sejam concluídas as reformas em andamento — Foto: Reprodução/TV Globo
Manifestação em frente ao Hospital Emilio Ribas em 2019 pede que sejam concluídas as reformas em andamento — Foto: Reprodução/TV Globo

Para Eder Gatti, do Simesp, os problemas de falta de equipamentos do Emílio Ribas são pontuais, e a reforma que se arrasta há anos traz prejuízos maiores ao atendimento.

“Foi uma situação provisória, no geral ele tem EPIs, tem bons médicos. O que funciona no Emílio Ribas, funciona bem, mas hoje o que funciona está restrito por conta da obra”, afirma Gatti.

Cartaz colado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, denuncia falta de equipamentos de proteção durante pandemia de coronavírus — Foto: Reprodução/Redes sociais
Cartaz colado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, denuncia falta de equipamentos de proteção durante pandemia de coronavírus — Foto: Reprodução/Redes sociais

A criação de hospitais de campanha é alvo de críticas de médicos do Emílio Ribas, que afirmam ser mais adequado aumentar o número de leitos em unidades que já existem e que são especializadas no controle de epidemias.

Segundo Jaques Sztajnbok, médico supervisor da UTI do Hospital Emílio Ribas, os leitos dos hospitais de campanha não são equipados para receber pacientes graves do novo coronavírus.

“Enquanto o estado está abrindo leito provisório no Anhembi, o Emílio Ribas tem leitos que poderiam ser usados para receber pacientes em uma obra que já deveria ter acabado. O hospital de campanha vai ajudar só no momento de colapso, ele é todo provisório”, afirma Gatti.

“O Emílio Ribas tem uma particularidade para lidar com paciente de isolamento porque tanto médicos quanto a equipe de enfermagem já são muito capacitados para isso. A gente já era especialista em epidemias antes mesmo do coronavírus”, explica o presidente do Simesp.

O MP pediu explicações à direção do Emílio Ribas, que disse em ofício que “desconhece as especificidades da gestão da obra, não possuindo conhecimento técnico sobre o tema nem figurando como contratante ou como gestor da reforma”. O procurador Arthur Pinto Filho deu prazo de seis meses para a conclusão das investigações.

As reclamações de associações de médicos e de funcionários do hospital viraram tema de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em junho do ano passado. Na ocasião, os médicos e funcionários do Instituto colheram mais de 227 mil assinaturas em um abaixo-assinado em defesa do hospital.

By Minuto ABC

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